ARTIGO DE CARLOS MAGNO DIAS: PRESÍDIOS, UMA ESTUFA PARA A CRIMINALIDADE

HOMEM DO LEANDRO
Carlos Magno Dias

É sempre assim: você liga a tv em um noticiário, seja local ou nacional, e novamente se depara com mais uma revolta de detentos, que do ponto de vista de boa parte da sociedade, é infundada e totalmente sem causa. Então você se pergunta: O que é mesmo que eles estão querendo, afinal de contas não se deve esperar maiores comodidades de uma instalação destinada a indivíduos que trocaram voluntariamente a liberdade pelo encarceramento. Às vezes pensamentos como esse  até parecem que fazer algum sentido afinal de contas a prisão é um lugar de cumprimento de pena e não um retiro espiritual de fim de semana. Sem dúvida alguma todo crime é passivo de punição e assim o deve ser pois os cidadãos e as cidadãs têm direito à segurança do ponto de vista legal e também como justificativa para a quantidade de impostos pagos ao governo.

Do ponto de vista exterior parece ser aceitável que os detentos sejam amontoados em cubículos úmidos e fétidos, que sejam espancados como forma de expiação pelos seus pecados contra a sociedade. Porém há duas questões a serem levantadas: A primeira é que o código penal brasileiro não prevê nenhum castigo físico exceto a própria reclusão do infrator. Segundo, a privação da liberdade já é a punição máxima para qualquer tipo de crime, não havendo portanto nenhuma previsão legal para que sejam aplicadas penas extras a quem já se encontra recluso. Seria hipocrisia dizer que a sociedade não tem o direito de ficar indignada contra a impunidade que reina nesse país, que de tão absurda, chega a ser imoral. Desnecessário é lembrar que é perfeitamente natural que o cidadão e a cidadã se sintam horrorizados ao ver presidiários que cometeram crimes dolosos contra inocentes desfilem em frente às câmaras de tv fazendo churrasco e falando ao celular. É compreensível do ponto de vista emocional, principalmente dos parentes e amigos dessas vítimas, que se deseje medidas extremas contra tais infratores. Porém o mais apavorante é saber que um indivíduo que tanto causou temor à sociedade logo estará de volta às ruas para dar continuidade ao seu reinado de terror. Entretanto há que se ter cautela quanto ao caso pois quanto maior o envolvimento emocional mais racional se deve ser. E é exatamente esse o ponto em que devemos tocar: O que acontece depois que o indivíduo ganha sua liberdade? Ou melhor, o que acontece com o detento ainda lá no presídio, que ao invés de redirecionar seu comportamento, pelo contrário, o torna um criminoso ainda mais astuto?

A verdade é que a nossa visão sobre o conceito de punição deveria ser reformulada.  Os centros de detenção bem como todo o sistema carcerário no Brasil e acredito que na maior parte do mundo, nada mais são do que verdadeirasestufas humanas para se cultivar o crime. Por enquanto as opiniões a respeito estão divididas pois enquanto uns acham que os detentos têm vida boa pelo simples fato de tomarem sol diariamente, outros enxergam os presídios como fábricas de criminosos devido às péssimas condições a que os detentos são submetidos. Os primeiros pensam que do ponto de vista do recluso, a prisão é um hotel portanto não se importam em retornar às celas após um breve período de liberdade.Os últimos porém atribuem aos traumas psicológicos sofridos pelos reclusos, o agravamento de seus estados psicossociais que os levam a cometer ainda mais crimes. O fato é que um centro de detenção não deve ser nem um hotel cinco estrelas nemum centro de tortura. Primeiro por que como diz o provérbio: mente vazia é oficina do diabo. O detento que passa o dia na inatividade, que não lê um livro, não faz um curso ou qualquer coisa de realmente produtivo, tende a continuar maquinando o crime pois não há um redirecionamento psicológico e social. Por outro lado, tá mais do que provado que violência gera violência, consistindo portanto em um terrível engano pensar que submetendo o detento a torturas e maus tratos vai fazê-lo refletir e mudar de comportamento. Tais atos nada trazem de útil a não ser permitir que a sociedade vá à forra e sacie seu desejo de vingança contra o criminoso mas não produzem resultados práticos ou benéficos a médio e a longo prazo para quem está aqui fora pois logo o infrator estará de volta ao convívio social sem que tenha passado por nenhuma mudança comportamental significativa. Violência nunca produziu e nunca produzirá efeitos benéficos à ninguém por que se produzisse já teria dado certo há muito tempo. A coisa simplesmente não funciona assim. Um centro de detenção deveria ser um lugar de trabalho, de produtividade pois o trabalho não só dignifica o homem e a mulher como também constrói a sociedade. Centro de detenção deveria ser sinônimo de reabilitação onde o recluso e a reclusa exercessem uma atividade que os levassem a refletir sobre seu atos bem como a confrontarem-se com outro universo diferente do seu. E depois o trabalho interno permitiria ao detento garantir o próprio sustento ao invés de fazê-lo às custas do estado, ou melhor do povo.

Ao observar o mundo à nossa volta percebemos que cada grupo de indivíduos vive em um mundo diferente, com uma rede social diferente, um linguajar próprio e um conjunto de hábitos diferentes embora interligado com mundos de outros grupos. Na natureza percebemos que cada ser, cada animal tem seu nicho ecológico que nada mais é quetodo um conjunto de hábitos que envolve sua alimentação, ciclo reprodutivo, hábitat e etc.  Enfim, é um pacote de elementos interrelacionados que compõe seu universo. Basta alterar o ambiente de um indivíduo, seja ele racional ou não, e seu mundo inteiro vai junto. É uma verdade axiomática, não tem como ser diferente. Um infrator precisa reaprender a viver pois na maioria das vezes seus valores são deturpados e sua percepção e visão do mundo são completamente distorcidas. Se avaliar-mos individualmente a situação de cada um perceberemos que por trás de cada infrator existe um histórico familiar de desintegração e de um ambiente degradado. Não se trata de passar a mão na cabeça de criminoso pois muitos convivem em condições socioambientais semelhantes e não optaram pelo caminho errado. Porém deve se chamar os infratores à responsabilidade para que se sintam  também co-construtores da sociedade em ao invés de emprrá-los ainda mais para as margens, de onde ele deveria sair. Sem isso, não digo que seja impossível, mas é pouco provável que ocorra uma alteração substancial. É imperativo que redirecionemos nossa concepção sobre o cárcere pois ainda atribuímos a este uma conotação apenas punitiva quando deveria ser também reabilitativa. Não que isso seja o maior dos equívocos, afinal toda a culpa deve ser castigada. O equívoco maior é pensar que simplesmente deixando o detento lámornando vai resolver o problema da criminalidade. Na verdade o problema está apenas sendo adiado pois no Brasil não há prisão perpétua. Isso quer dizer que ainda que um criminoso leve 30 anos,ele pode ganhar sua liberdade por bom comportamento em um terço desse tempo.  Ora, se cedo ou tarde um infrator será posto em liberdade já é hora de se pensar em mecanismos que se não garantirem, pelo menos ofereçam a este uma chance de adquirir novo comportamento. Não estamos falando de nenhum tipo de lavagem cerebral ou qualquer plano mirabolante para mascarar as coisas, mas de um mecanismo legal e viável que possa conceder-lhe uma chance de se redimir literalmente, de reintegrá-lo à sociedade de forma mais efetiva. Falo de um aprendizado que comece ainda no interior da prisão e que seja posto em prática enquanto ele ainda está recluso para que ao sair, o ex-detento possa agir diferente.

Ora, reconheço que para a sociedade é difícil conceber tal ideia pois soa como tratar um detento a pão e vinho enquanto a maior parte do povo vive a pão e água. Porém devemos pensar a longo prazo para que a sociedade tenha a chance de colher os frutos uma vez que uma parte significativa daqueles infratores não voltaria a reincidência. Da forma como está é o mesmo reutilizar uma água que sobrou da lavagem de roupa sem submetê-la a um tratamento de purificação, falando grosseiramente.

Um indivíduo só muda quando é confrontado com outro universo, com pessoas diferentes, que pensam, agem e vivem de maneira diferente. Seria sonhar alto demais pensar que todos os criminosos iriam se redimir pois existem aqueles com tendências psicopáticas que são até capazes de simular bom comportamento apenas para ganhar a liberdade mais cedo porém continuam com uma mente criminosa. Entretanto sonhar é preciso poisé de sonhos que se vive a vida  e como diz o ditado:mire nas estrelas e atingirá pelo menos a lua.

Por: Carlos Magno Dias.

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